O Código Civil de 2002 estabeleceu de forma diversa a relação sucessória entre cônjuges (pessoas casadas) e entre pessoas em união estável. O art. 1829 dispõe que o cônjuge sobrevivente será considerado herdeiro necessário, e portanto terá direito a uma parte dos bens deixados pelo falecido conjuntamente com os descendentes (filhos, netos, bisnetos, etc.). Por sua vez, o art. 1790 estabelece que, para os casais em união estável, a companheira ou companheiro terá direito à parte dos bens deixados pelo companheiro falecido desde que os bens sejam adquiridos onerosamente na vigência da união estável. É a redação do art. 1829 do Código Civil:
Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens ( art. 1.640, parágrafo único ); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Cabe explicar as condições estabelecidas no artigo mencionado, as quais são alteradas a depender do regime de divisão de bens escolhido pelo casal.
- Se o casal adotar o regime da comunhão universal, o cônjuge sobrevivente terá direito à metade (meação) dos bens deixados pelo falecido, quer sejam bens adquiridos antes do casamento, durante ou até mesmo por ato não oneroso (por herança ou doação). Neste caso, o cônjuge sobrevivente não herda nenhuma parte como herdeiro, já que será proprietário de metade dos bens.
- Se o casamento foi celebrado sob o regime da separação de bens é necessário fazer algumas ponderações, pois esse é gênero que comporta duas espécies – separação obrigatória (legal) ou convencionada.
Separação Obrigatória – Neste caso os nubentes não podem escolher outro regime que não seja o da separação total de bens. Estas hipóteses estão previstas no art. 1641 do Código Civil e inclui: a) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros (inciso I do art. 1523); b) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal (inciso II do art. 1523); c) o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal (inciso III do art. 1523); d) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas (inciso IV do art. 1523); e) da pessoa maior de 70 (setenta) anos (inciso II do artigo 1641); f) de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial (inciso III do art. 1641). Este regime exclui os cônjuges do rol de herdeiros de forma expressa por meio do comando legal do art. 1829, I, do Código Civil.
Separação Convencionada – Já a separação total de bens convencionada é o regime que os nubentes escolheram de mútua e livre deliberação. Deve-se atentar para o fato de que o art. 1829 do Código Civil dispõe que aqueles que são casados sob o regime da separação total de bens obrigatória não são considerados herdeiros necessários do cônjuge falecido, deixando, contudo, de se referir aos casos de separação total convencionada. Diante do exposto, será que poderíamos considerar que aqueles casados pelo regime da separação total de bens convencionada (não obrigatório) são herdeiros necessários do cônjuge falecido? A jurisprudência dominante estabelece que, uma vez que os nubentes optaram pelo regime da separação total de bens, a sucessão é afastada. Se os nubentes decidiram por não comunicar seus bens, direitos e deveres, tal decisão implica em considerar que também decidiram por não incluir um ao outro como herdeiro. Entretanto, quanto a esta questão, é aconselhável que seja expressamente prevista no pacto antenupcial para não gerar futuras discussões.
- Por conseguinte, nos casos de casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens (quando se comunicam somente os bens adquiridos durante a constância do casamento de forma onerosa), onde o cônjuge falecido possuía apenas bens comuns com o cônjuge sobrevivente, este também não será considerado herdeiro, sendo meeiro e portanto recebendo metade dos bens deixados.
Portanto, pelo art. 1829, inciso I, o cônjuge sobrevivente somente será considerado herdeiro do cônjuge falecido quando casado sob o regime da comunhão parcial de bens e este houver deixado bens particulares (adquiridos antes do casamento ou durante por ato não oneroso – herança ou doação). Mas a situação muda drasticamente quando o casal viver apenas em união estável, não tendo contraído matrimônio. É porque o art. 1.790 do Código Civil assim dispõe:
Art. 1790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
O caput do art. 1.790 dispõe que o companheiro sobrevivente somente herdará parte dos bens deixados pelo companheiro falecido se estes bens forem adquiridos na constância da união estável, e ainda assim, se forem onerosos, o que exclui bens advindos de herança e por doação. Sendo bens onerosos adquiridos durante a união estável, e havendo filhos comuns, o companheiro sobrevivente concorrerá em partes iguais com estes (inciso I), além de lhe ser garantida a meação. Se os filhos forem apenas do falecido, o companheiro sobrevivente receberá apenas metade da parte que cabe aos filhos do falecido (inciso II), além de lhe ser garantida a meação. Não existindo descendentes, mas havendo outros herdeiros sucessíveis (pais, avós, irmãos), o companheiro sobrevivente receberá um terço da herança (inciso III). Não existindo nenhum parente sucessível, o companheiro sobrevivente receberá a integralidade da herança (inciso IV).
Portanto, o tratamento dado pelo Código Civil ao cônjuge sobrevivente é mais vantajoso do que o dispensado ao companheiro sobrevivente. E aí surge uma grande discussão, que chegou ao Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a proteção jurisdicional da Constituição Federal. Afinal de contas, cônjuge e companheiro vêm recebendo de legislações esparsas o mesmo tratamento, o que faz supor que a diferenciação dada pelo Código Civil seja inconstitucional. Como exemplo, podemos citar a Lei 8.213/91 que dispõe em seu art. 16, I que o cônjuge e a companheira são beneficiários da pensão por morte havida em razão do falecimento do segurado do INSS. Diversos regimes próprios da Previdência Social, como é o caso dos servidores públicos federais (Lei 8.112/90, art. 217, inc., I e III) também garantem direito à pensão por morte tanto ao cônjuge como ao companheiro. Ora, para algumas situações a lei não difere entre cônjuge e companheiro, mas no caso dos arts. 1.829 e 1790 do Código Civil há uma gritante diferenciação.
Por conta de tal tratamento diferenciado, o STF decidiu no Recurso Extraordinário nº 878694 que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. Tal decisão é de repercussão geral, o que implica dizer que os companheiros terão os mesmos direitos do cônjuge sobrevivente no que diz respeito à sucessão dos bens deixados pelo falecido, tudo nos termos do art. 1.829 do Código Civil.
Resta um ponto a ser discutido, que é a modulação de tal decisão, ou seja, como serão tratados os casos de sucessões já abertas e concluídas e de sucessões já abertas anteriormente à decisão do STF, mas ainda não concluídas. Esta análise ainda vai gerar outras discussões judiciais. Há os que defendem que a decisão do STF só valerá à partir de sua publicação (que ainda não ocorreu) para os óbitos futuros. Há quem defenda que a decisão valerá para os inventários judiciais ainda não transitados em julgado e para os inventários extrajudiciais (feitos em cartório) que ainda não tiverem suas escrituras públicas expedidas. Como a sucessão ocorre com o evento mortis, compartilho do entendimento de que tal decisão da Corte Suprema só deva gerar efeitos para os novos óbitos que ocorrerem a partir da publicação da decisão.